Após perder uma partida exaustiva de três sets, Coleman Wong ainda teve que agüentar uma demonstração de ódio vinda das arquibancadas: “Acabei de perder muito dinheiro por sua causa”.
O sujeito abriu caminho entre a multidão só para confrontar Wong, o “culpado” por sua tragédia financeira durante o Challenger de Ostrava em abril.
O número 173 do mundo, nascido em Hong Kong, que recentemente chegou à terceira rodada do US Open, está acostumado a receber mensagens agressivas online. Mas, na República Tcheca, os perfis anônimos das redes sociais representaram uma ameaça real. Foi a primeira vez que Wong foi assediado em um evento ao vivo.
“Eu me senti ameaçado”, disse à CLAY o jogador de 21 anos. “É um absurdo. Estou somente fazendo o que amo, jogando tênis pelo mundo e tem gente que vem… você sabe… isso não é bom para o tênis. É duro porque todo jogador sofre com isso. Quando você está nos Challengers, se perder uma partida, pode receber ameaças de morte e tudo mais pelas redes sociais. Está ficando fora de controle.”
Esses incidentes nos ambientes online estão se tornando preocupantemente comuns para os tenistas profissionais. Estatísticas da empresa de ciência de dados Signify Group, publicadas pela WTA (Women’s Tennis Association) e pela ITF (International Tennis Federation) em 2024, revelaram que cerca de 8.000 comentários abusivos, violentos ou com ameaças foram dirigidos a 458 jogadores em suas redes sociais naquele ano.
A jogadora francesa Caroline Garcia, agora aposentada, tornou público em agosto de 2024 exemplos das mensagens — “você deveria pensar em se matar”, “ o lugar de um palhaço é no circo” — que recebeu após suas derrotas. Mais recentemente, a tenista ucraniana Elina Svitolina postou em seu Instagram Stories screenshots assustadores. Um dos agressores disse que esperava que a Rússia “matasse todos os ucranianos”, referindo-se à guerra em curso no país natal de Svitolina.
Depois de jogos mentalmente e fisicamente desgastantes, que muitas vezes duram horas e podem terminar em derrota, a última coisa que um atleta precisa receber são mensagens perturbadoras. O jogador alemão Maximilian Marterer disse à CLAY: “É principalmente no Instagram, que é o que eu mais uso. Acho que isso é algo que eles (as plataformas de mídia social) precisam resolver. Não é nosso trabalho fazer isso. Somos apenas tenistas e é assim que queremos ser vistos. É um aspecto muito triste no nosso esporte.”
This are some of the messages I received lately after loosing some matches. Just a few of them. There’s hundreds. And now, being 30 years old, although they still hurt, because at the end of the day, I’m just a normal girl working really hard and trying my best, I have tools and… pic.twitter.com/q4djrfLfx9
— Caroline Garcia (@CaroGarcia) August 28, 2024
Dos 8.000 comentários sinalizados pelo Signify Group, 40% foram identificados como enviados por apostadores furiosos. O americano Tristan Boyer, número 113 do mundo, espera que se tomem mais medidas para proteger os jogadores. “Todos os jogadores têm recebido essas mensagens após as partidas, independentemente de terem vencido ou perdido, normalmente de apostadores”, disse ele à CLAY. “Teoricamente, a ATP tem um software que deleta essas mensagens, mas às vezes não funciona. Eles estão tentando resolver o problema, e espero que consigam.”
Boyer se refere ao software de inteligência artificial da ATP Tour chamado “Safe Sport”, fornecido aos 250 melhores jogadores do ranking de simples e às 50 melhores duplas masculinas. Lançado em julho de 2024, o software verifica automaticamente as redes sociais dos jogadores em busca de comentários ofensivos e os oculta em tempo real. Em agosto, a ATP revelou que mais de 162.000 comentários nas redes sociais contendo ofensas graves foram encontrados e ocultados durante seu primeiro ano de uso.
Embora isso pareça ser o novo normal, os ataques relacionados a apostas já aconteciam muito antes da proliferação das redes sociais. Quinze anos atrás, quando o jogador japonês Taro Daniel ainda era adolescente, ele recebeu uma série de mensagens carregadas de ódio no Facebook Messenger de um desconhecido depois de perder uma partida do ITF Futures na Espanha.
“A primeira vez que isso aconteceu, fiquei realmente assustado”, disse o jogador de 32 anos à CLAY. “O cara dizia: ‘Perdi € 2.000 porque você perdeu. Foda a sua mãe’. E eu pensei: o que é isso? Nunca tinha visto isso antes. Eu respondi e tivemos uma discussão intensa, mas na segunda vez aprendi a não responder. Agora isso acontece em todas as partidas que perco, são mensagens de pessoas que apostam em você.”
Com a frequência dessas mensagens, alguns jogadores gradualmente se tornaram insensíveis. “É algo que me afetou no passado”, disse o argentino Federico Agustín Gómez. “ Procuro não ficar tanto nas redes sociais. Alguém que aposta dinheiro em esportes e não faz nada da vida, culpando os outros pelas escolhas que faz… Quero dizer… às vezes eu olho para eles e rio porque são ridículos.”
É mais fácil falar do que fazer em simplesmente evitar as redes sociais. O chinês Yan Bai, de 36 anos, disse: “Não uso muito o Facebook e o Instagram porque tenho minha própria vida. Se quero conversar com meus amigos, entro em contato com eles pelo WhatsApp. Simplesmente deixo pra lá. Mas é bem difícil, porque às vezes, quando você quer checar alguma coisa (nas redes sociais), você acaba vendo as mensagens. Palavrões. Isso me deixa triste. É muito difícil para os jogadores preservarem sua saúde mental.”
O jogador sérvio Dusan Lajovic, 35, acrescentou: “As pessoas são criativas, elas encontram maneiras de xingar você de diferentes formas. Há graves acusações e questões sérias com essas pessoas. Às vezes, elas sabem onde você almoça, o que você está fazendo. É um problema real, porque você não sabe o que pode acontecer. Será que o indivíduo está apenas fazendo ameaças vazias ou é realmente um lunático que pode fazer alguma coisa?”
O psicólogo esportivo irlandês Kevin Clancy, que trabalhou com os melhores tenistas profissionais da Irlanda, acredita que uma possível solução poderia ser os jogadores delegarem suas contas nas redes sociais a outras pessoas.
Clancy explicou à CLAY: “Se eles tiverem condições de contratar uma equipe, devem pedir a alguém para fazer isso por eles. Se precisarem fazer sozinhos, então devem estruturar essa tarefa. Voce pode excluir do seu celular, por exemplo, e só poderá acessar em seu laptop em determinados períodos”.
“Pessoalmente, não vejo nenhum benefício nas redes sociais, mas eles já cresceram com isso e é assim que se conectam com o mundo ao seu redor. É quase como trabalhar com um viciado para tentar livrá-lo de uma determinada droga. Jogadores como Djokovic, Nadal e Federer não ficavam sentados olhando o que as pessoas diziam sobre eles”.
É exatamente essa mentalidade que o jovem talento francês Arthur Cazaux, de 23 anos, personifica. “A vida não está no celular, a vida está lá fora”, disse o número 79 do mundo. “Conversei com alguns jogadores e eles se sentiram atingidos, mas isso não me afeta porque sei que é virtual e no fundo não significa nada. Acho que depende do personalidade de cada um. Quando isso vem por meio de um celular, não há qualquer energia, entende?”
Ainda assim, será que os tenistas devem arcar com a responsabilidade de lidar com a crescente expansão da indústria de apostas esportivas? A ATP, que assinou um contrato de seis anos com a Sportradar em 2023, lucra diretamente com a venda de dados ao vivo dos torneios e direitos de transmissão para empresas de apostas. À medida que as apostas legais no tênis continuarem a crescer, com cada vez mais opções para os apostadores, como mercados ponto a ponto, esses contratos de fornecimento de dados são uma importante fonte de receita para os órgãos oficiais.

Daniel acredita que os jogadores deveriam ter direito a uma fatia do bolo. “Essa é a única maneira de aceitar essa porcaria”, disse ele. “Pelo menos se eu recebesse US$ 50.000 por ano para que me xingassem online, tudo bem, eu aceitaria. Mas se eu perder dinheiro ao ir a um torneio e eu vir as mensagens, isso será um tapa na cara.
Na minha opinião, não é possível filtrar esses (comentários), porque isso limitaria a liberdade de expressão das pessoas online. Para mim, esse é um custo que temos que pagar, mas deveríamos receber uma comissão pelas apostas.”
Por enquanto, porém, os jogadores precisam se contentar com os recursos disponíveis para bloquear o problema. O húngaro Márton Fucsovics, 33, tem passado por tudo isso desde que se tornou profissional em 2008.
“Tenho péssimas experiências todos os dias, mesmo quando venço”, admitiu ele à CLAY. “Aprendi a não pensar nem me importar com isso, e acho que é o melhor a se fazer. Não abra as mensagens, simplesmente apague tudo e concentre-se em você mesmo. É o que eu faço.”