RIO DE JANEIRO – Sob o calor tropical, com o Cristo Redentor abraçando a cidade do alto do Corcovado, o Rio de Janeiro é mais uma prova da paixão que o tênis desperta na América Latina. Mas será que a ATP entende isso?
Parece que não, sugere Luiz Carvalho, diretor do maior torneio da América do Sul, que há anos tenta — sem sucesso — trazer Andrea Gaudenzi, presidente da ATP, para conhecer o Rio. O mesmo acontece com o torneio de Buenos Aires, igualmente repleto de público e paixão.
“O Andrea é um cara super visionário, e tenho certeza de que, se ele visse o que temos aqui, provavelmente teria uma opinião diferente sobre o mercado latino-americano”, disse Carvalho, diretor do Rio Open, em entrevista à CLAY.
Carvalho, brasileiro de 43 anos, trabalha na ATP há mais de duas décadas, já foi diretor do tradicional torneio de Queen’s, em Londres, e hoje também comanda os eventos de Chengdu e Hong Kong, além do próprio Rio. Ex-jogador de tênis (chegou ao número 868 do ranking mundial em 2000), ele não seguiu carreira profissional, mas o tênis corre em suas veias. Seu sonho é ver o Rio Open crescer e ser escolhido como o melhor ATP 500 do mundo.
– A edição de fevereiro foi a mais especial desses onze anos de Rio Open?
– Sem dúvida. Estamos vendo de perto o nascimento de um ídolo como o João Fonseca, possivelmente um ídolo mundial. E é algo forte de se dizer, porque coloca muita pressão sobre ele. Mas também falamos isso porque é algo natural — o João tem um carisma muito espontâneo, é muito puro.
– E além do Fonseca, quão maduro está o Rio Open hoje?
– O torneio está amadurecendo cada vez mais. Temos muito mais controle sobre o produto como um todo. Já temos um plano bem avançado de onde queremos chegar daqui para frente — estamos sempre pensando 12, 24 meses à frente. Sabemos também que precisamos de mais espaço para crescer como evento e oferecer essa experiência a mais pessoas. Já estamos quase na capacidade máxima.
– Não há mais espaço no Jockey Club Brasileiro?
– Estamos estudando alguns formatos e possibilidades. Não descartamos nenhuma opção. Temos essa demanda e não queremos perder a oportunidade.
– Considerariam mudar de local?
– O fato é que gostamos muito do Jockey como sede. Eles nos recebem com muito carinho. Conversei com o João Sousa, ex-jogador português que hoje trabalha na área de relações com jogadores da ATP, e perguntei o que os atletas acham.
– E o que os jogadores dizem?
– Ele me contou: “Cara, os jogadores amam este lugar. É uma beleza natural única, você joga aos pés do Cristo Redentor, o hotel é pertinho, tudo funciona…”. Então não queremos sair daqui. É um lugar super adequado para o evento. Assim como ajudamos a desenvolver o produto, o Jockey também ajudou muito nessa construção, nessa parceria que temos. Eles entendem nossas necessidades e atendem todos os pedidos.

“Nunca ganhamos o prêmio de melhor ATP 500 — é a maior frustração da minha carreira”
– Você disse recentemente nas redes sociais que quer que o Rio Open ganhe o prêmio de melhor ATP 500 do ano.
– Nunca ganhamos. Essa é a maior frustração da minha carreira.
– Você ganhou esse prêmio como diretor do torneio de Queen’s…
– Ganhei com Queen’s, sim. Mas Queen’s já tinha vencido antes. Para 2025, a ATP mudou o sistema. Antes, era uma votação entre os jogadores no fim do ano — eles recebiam um e-mail e votavam. Agora, há um processo de avaliação, quase como um boletim escolar: os jogadores avaliam de 20 a 25 aspectos do torneio — transporte, hotel, sala dos jogadores, tudo — com notas de 1 a 5. A média dessas notas define o vencedor do prêmio de “Torneio da Semana”. Então acho que temos uma chance real agora, porque já recebemos esse relatório e sabemos qual foi nossa pontuação. Focamos muito nos pontos em que não fomos bem no ano passado para melhorar, e reforçamos ainda mais os que foram positivos. É muito motivador para a equipe — seria um reconhecimento incrível pelo trabalho de todos.
“A teimosia com o saibro impede o crescimento dos torneios”
– Catalina Fillol, diretora do torneio de Santiago, disse em entrevista à CLAY que Santiago e Rio planejam mudar o piso para quadra dura, para atrair jogadores de ranking mais alto, mas Buenos Aires não quer.
– Li o que a Cata disse e falei com ela depois. Converso bastante com a Cata, adoro ela, temos uma ótima relação. Também falo muito com o Martín Jaite (diretor do torneio de Buenos Aires). Essa discussão não é nova — já falamos sobre isso há alguns anos, porque está cada vez mais claro que é muito difícil convencer jogadores a competir no saibro entre o Australian Open e Indian Wells. E com os torneios de Dallas e Doha melhorando tanto, ficou ainda mais difícil. Se você olhar o quadro de Doha, que acontece na mesma semana do Rio, eles têm oito jogadores do top 20 ou top 15, se não me engano. E o Rio tem um. Há muito potencial aqui. Imagine o que poderia acontecer se o Rio tivesse três ou quatro jogadores do top 10! Eu vejo duas quadras lotadas, uma para 10 mil e outra para 5 mil pessoas — e público para isso não falta. Existe uma teimosia dos jogadores em não perder torneios de saibro, e isso impede o desenvolvimento de eventos que poderiam se tornar produtos ainda melhores para eles.
– Como assim?
– O torneio poderia se tornar um negócio melhor para os próprios jogadores, fazendo com que ganhassem mais dinheiro, com prêmios maiores, mais conforto. Mas estamos um pouco limitados nesse sentido. Queremos investir, mas o circuito não permite que avancemos para o próximo estágio. Porque é isso: se tivéssemos mais jogadores de ponta, o produto teria um valor ainda maior. Então nos sentimos um pouco constrangidos e injustiçados. É claro que o circuito precisa de regras e critérios, mas não concordo com o argumento de que não se pode perder um torneio no saibro — porque recusar a mudança para o piso duro impede o torneio de crescer e se tornar mais relevante.

“A América do Sul precisa ser ouvida”
– Um leitor da CLAY nos escreveu há algumas semanas propondo uma reorganização do calendário: jogar Indian Wells e Miami em fevereiro, como continuação do Australian Open, e transferir a gira sul-americana para março, como uma prévia da temporada europeia.
– Seria ótimo.
– Já discutiram algo assim com a ATP?
– Não, nunca conseguimos conversar sobre isso. A verdade é que o calendário está cada vez mais rígido, com a expansão dos Masters 1000, e hoje restam pouquíssimas semanas disponíveis para torneios 250. Talvez fosse possível colocar Buenos Aires e Santiago na mesma semana, quem sabe, mas três semanas seguidas já não existem mais. Porque você tem dois Masters 1000 seguidos (Indian Wells e Miami) e logo depois vem Monte Carlo…
– Aparentemente, a América do Sul não desperta muito interesse das emissoras de TV.
– Isso não é de hoje, Sebastián. No passado, nós tínhamos mais influência política dentro da ATP em relação ao mercado latino-americano. Hoje, há pouquíssima representação da América Latina nos conselhos e cargos de decisão da ATP. O board é quase todo europeu e norte-americano. E não os culpo por não enxergarem o nosso mercado — acho que nós é que precisamos falar mais alto, nos fazer ouvir. É uma pena, porque é um mercado de enorme potencial, com grande tradição esportiva, campeões históricos, público fiel e torneios sólidos. Às vezes me dá um pouco de pena que não haja ninguém lá dentro cuidando da gente. Essa é a verdade.
– Na América do Sul existe um entusiasmo pelo tênis que não se vê em muitos torneios europeus, onde as arquibancadas ficam vazias.
– E em várias outras partes do mundo é igual. Imagine o que esse mercado poderia ser se tivesse um plano estratégico real. E não falo de algo imediato. Não precisa mudar amanhã. Mas eu adoraria que a ATP apresentasse um plano de longo prazo para a região — desenvolvimento de jogadores, fortalecimento de torneios, uma visão de futuro. Hoje as decisões são todas muito imediatistas, de curto prazo. E isso nos impede de evoluir.
Andrea Gaudenzi, presidente da ATP, entregando o prêmio a Jannik Sinner pelo seu posto de número um do mundo em 2024 // ATP Tour
“Gaudenzi nunca veio ao Rio — e isso é uma pena”
– O Andrea Gaudenzi conhece o Rio Open?
– Não. Nunca veio ao Rio Open. Já foi convidado várias vezes, mas por conta da agenda, nunca apareceu. É estranho. Eu adoraria que viesse, porque o Andrea é um cara muito visionário, e tenho certeza de que, se ele visse o que temos aqui, teria uma opinião diferente sobre o mercado latino-americano. Não digo que ele tenha uma visão errada ou preconceituosa, mas acho que passaria a prestar mais atenção, assim como o Massimo Calvelli, CEO da ATP.
– E por que eles não vêm à América do Sul?
– Nós os convidamos ano após ano. Entendemos que há compromissos, agendas cheias, mas é como eu disse: este ano vieram o Pablo Andújar, que faz parte do board da ATP e é ex-jogador, o Eric Starelli e outros executivos. Porque eu quero que vejam isso de perto — quero que percebam que temos aqui um diamante bruto, e que estamos perdendo uma oportunidade enorme por causa de disputas políticas que não levam a lugar nenhum.





