Se, em vez de colocar todos os seus esforços no desenvolvimento de mísseis, Kim Jong-un tivesse conseguido transformar a Coreia do Norte em uma potência econômica maior que sua vizinha do sul, a ATP provavelmente estaria anunciando, em breve e com orgulho, o Masters 1000 de Pyongyang.
Tudo é possível hoje na entidade que comanda o tênis masculino, e por isso tivemos a confirmação de que a Arábia Saudita terá, enfim, o Masters 1000 pelo qual tanto lutou. Existem pontos a favor para que a realização de um torneio dessa magnitude lá e muitos aspectos contra, especialmente se nada mais mudar no resto do calendário e na organização do circuito.
Não é uma questão política. A Arábia Saudita é uma ditadura, sim, mas a China também é, e ninguém pensa que o Catar, os Emirados Árabes e o Cazaquistão, três países que fazem parte do circuito da ATP, sejam democracias.
Se o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a FIFA nunca encontraram a fórmula para resolver a contradição entre o esporte integrador e aberto e as diferentes ditaduras que sediaram e sediarão os Jogos Olímpicos e as Copas do Mundo de futebol, não podemos esperar que uma organização relativamente pequena como a ATP resolva isso.
Não, não se trata de política. É sobre esporte, é sobre tênis. E temos a impressão de que não é o tênis que mais importa.

Quando Andrea Gaudenzi, presidente da ATP, diz que “a Arábia Saudita demonstrou um compromisso genuíno com o tênis, não apenas em nível profissional, mas também no crescimento do esporte em geral a todos os níveis”, é claro que ele não está mentindo: o governo de Riade, através do Public Investment Fund (PIF), um dos fundos soberanos mais poderosos do mundo, sustenta hoje, literalmente, o tênis masculino. Veja o “PIF ATP Ranking”. Ou pense naquela exibição milionária chamada Six Kings Slam.
E quando dá à Arábia Saudita um lugar no calendário a partir de 2028, a princípio em fevereiro, entre a Austrália e Indian Wells/Miami e como parte das semanas que também incluem os ATP de Dubai e Doha, tudo parece pura lógica… até olhar para o sul do planeta.
A frase de Gaudenzi faz muito sentido se substituirmos “Arábia Saudita” por “Argentina”, “Brasil” ou “Chile”. Leiam e opinem: “A Argentina demonstrou um compromisso genuíno com o tênis, não apenas no nível profissional, mas também no crescimento do esporte em geral em todos os níveis”.
Existem diferenças entre os três países, não se pode comparar o desenvolvimento e a profunda inserção do tênis na Argentina com o que acontece no Brasil ou no Chile. Mas nesses dois países há paixão, paixão crescente e história. E no Brasil também há muito dinheiro.
Basta lembrar o número de tenistas excepcionais, números um, inúmeros top ten, títulos nos quatro grandes torneios, na Copa Davis, medalhas olímpicas e uma longa lista de outras conquistas que a América do Sul e a América Latina em geral trouxeram ao tênis.
É necessário fazer essa mesma lista com foco no tênis saudita e na região em geral?
E não se trata de um problema com o tênis saudita, que tem todo o direito de se desenvolver e coloca entusiasmo verdadeiro (em forma de muito dinheiro) em um esporte no qual um dia alcançará sucesso, sem duvidas. Quando perguntamos ao entorno de Rafael Nadal — embaixador do tênis saudita — sobre o que está acontecendo por lá, os elogios a Arij Mutabagani, a primeira mulher a presidir a federação de tênis, são sinceros e enormes.

Há, claramente, algo bom e interessante acontecendo nesse país de 35 milhões de habitantes, o chamado reino do deserto.
Mas há um fato inegável: todas as regiões, continentes e subcontinentes do mundo têm um Grand Slam ou um Masters 1000. Exceto a África e a América Latina.
Precisa explicar por quê?
Talvez sim. Mariano Zabaleta, vice-presidente da Associação Argentina de Tênis (AAT), relatou recentemente a grande surpresa de Roland Garros quando contou que o órgão regulador do tênis argentino trabalha com um orçamento de 2,5 milhões de dólares. Mensal?
Não, anual, respondeu Zabaleta. E os franceses não acreditaram.
O tênis e o esporte hoje são movidos pelo dinheiro, e ninguém quer um modelo que, por ser tão eficiente, é capaz de transformar um país com apenas 200 mil dólares mensais em uma potência do tênis. Seria a ruína para muitos no tênis.
Todo mês de fevereiro, precisamente o mês em que, a partir de 2028, provavelmente será disputado o Masters 1000 saudita, o Buenos Aires Lawn Tennis Club, o Jockey Club da Gávea e o estádio de San Carlos de Apoquindo ficam lotados de espectadores loucos por tênis. Eles amam o esporte, têm um “compromisso genuíno com o tênis”, nas palavras da ATP.
Talvez a ATP compreenda isso um dia… Talvez no dia em que Gaudenzi pisar pela primeira vez na América do Sul após seis anos como responsável máximo pelo tênis masculino.





