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Meligeni e o grande momento do tênis brasileiro: “Fonseca é um fenômeno, nem o Guga tinha o nível de jogo dele quando tinha 18 ou 19 anos”

Fernando Meligeni, tras la entrevista con CLAY, posa en el estudio en el que se graba New Balls Please / SEBASTIÁN FEST
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SÃO PAULO – A efervescência que o tênis brasileiro vive hoje é maior do que a gerada por Gustavo “Guga” Kuerten há vinte e cinco anos. Nunca houve um momento melhor, diz Fernando Meligeni, protagonista na década de 1990 com seu tênis apaixonado e dedicação sem limites, e também hoje como o aguçado comentarista  do esporte que é.

“É um momento muito importante para o tênis brasileiro, que não vivemos nem mesmo na época do Guga”, disse Meligeni, de 54 anos, durante entrevista à CLAY em São Paulo. “Todas as empresas estão se matando para entrar no tênis”, acrescentou.
Nos anos em que Kuerten mudou a história do tênis brasileiro com seus três títulos de Roland Garros e a conquista do número um do mundo, Meligeni também estava lá.

Semifinalista de Roland Garros em 1999, ano em que alcançou a 25ª posição no ranking mundial, o brasileiro nascido na Argentina é uma voz influente no tênis do Brasil como apresentador do podcast com audiência crescente, New Balls Please, que compartilha com o jornalista Fernando Nardini.

A entrevista com Meligeni em São Paulo, a maior cidade do Ocidente, ocorreu dias após o grande sucesso do WTA 250 realizado lá, que se junta ao ATP 500 do Rio de Janeiro.

O Brasil é sede dos maiores torneios de tênis da América do Sul, algo compatível com seu status de nona economia mundial, embora Meligeni — e não só ele — ressalte repetidamente, com admiração, o grande poder do tênis de um país vizinho que não para de produzir jogadores: a Argentina.

Esta é a primeira parte da entrevista com Meligeni, a segunda será publicada nos próximos dias.

– Como você definiria este momento do tênis brasileiro?
– A força do tênis argentino ainda é incomparável, sem igual. Mas o tênis brasileiro está chegando com muita força. Temos o João (Fonseca) e a Bia (Beatriz Haddad Maia) como os dois grandes nomes. Com seus momentos bons e ruins, mas você tem dois jogadores entre os 50 melhores do ranking mundial e com muita representatividade no Brasil. E há outros jogadores jovens que vêm atrás. Então, as pessoas começam a descobrir o tênis e superam o grande problema que sempre existiu no Brasil, a imagem de que o tênis é um esporte elitista. A imagem de que é bonito, sim, mas muito caro.

– É mesmo?

– É a minha grande discussão com as pessoas. Eu pergunto: você gosta de tênis ou não? Não importa se é elitista ou não, se é popular ou não.

– Essa é a grande diferença em relação à Argentina, não é? A partir de Guillermo Vilas, nos anos 70, o tênis foi incorporado pela classe média.
– Claro, por isso eu pergunto: você gosta ou não? Qual é o problema se você gostar? Qual é o problema? Ninguém pode te proibir de gostar de tênis.

– Entendo que o “hype” gerado por Fonseca, que atinge todos os públicos, contribui para mudar essa percepção.
– Meu filho de 15 anos, que sendo filho de tenista nunca viu tênis na vida porque não gosta de ficar sentado diante da televisão, me diz: “Pai, o Joao está jogando? Mas você não gostava de me ver jogar!” Você gosta de ver o Joao jogar? E sim, ele gosta.
Mas, ao mesmo tempo, há outra coisa, que são os patrocinadores. Todos os bancos estão hoje no tênis. Todas as seguradoras estão hoje no tênis. Muitos estão se matando para entrar no tênis, e essa disputa é ótima para o esporte.

– Um momento maior do que o gerado durante o boom de Guga Kuerten, entendo.

– Sim, é um momento muito importante para o tênis brasileiro, que não tivemos nem mesmo na época do Guga. Naquela época, o Guga tinha 25 patrocinadores e eu tinha um, mas eram patrocinadores do jogador, não tanto do tênis.

– E o Brasil ainda não era tão poderoso economicamente…
– Exato. Hoje há sete patrocinadores e 20 esperando..

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– Outra mudança no tênis brasileiro é a excelente organização dos dois principais torneios, o ATP 500 do Rio de Janeiro e o WTA 250 de São Paulo.
– São torneios muito bacanas, sempre lotados. O público compra todos os ingressos em dois minutos, o que é um pouco o que acontece na Argentina. Não importa a situação do país, não importa se tem dinheiro ou não, as pessoas querem ir assistir tênis. Por quê? Porque o tênis hoje está crescendo.

– Você tem notado crianças ou adolescentes que, em vez de escolherem futebol, basquete ou golfe, agora escolhem o tênis? Isso está acontecendo?
– Sim. Hoje entramos na disputa de qual esporte você vai praticar, embora ainda estejamos longe de ser um esporte como gostaríamos que fosse.

– Com certeza Djokovic foi gentil em sua resposta ao jornalista, mas o fato de ter assistido Joao Fonseca durante a Copa Davis em Atenas e ter dito que não descarta treiná-lo um dia contribui para o clima de euforia, não é?
– Claro, as pessoas ficam entusiasmadas, dizem “e se isso for verdade?”. Cada um tem sua loucura, há pessoas que param de jogar e não querem nem ver tênis, há pessoas que param e querem continuar viajando. Eu parei porque não queria viajar. Se o Alcaraz me falar “eu te quero comigo, Fer”, o que eu vou falar para ele é “então me dá um beijo, porque eu não vou viajar com você”. E não é arrogância, é simplesmente que eu não me vejo viajando 30 semanas por ano, 20 semanas por ano.

– Mas depois que você se aposentou como tenista profissional, continuou jogando?

 – Sim.

 – Porque muitos se aposentam e não querem mais nem pegar numa raquete…

 – Eu nunca parei. Nunca parei de assistir tênis, nunca parei de trabalhar com tênis. Tudo o que tenho tem a ver com tênis, não tenho nada, não tenho restaurantes, não tenho dinheiro na bolsa de valores. Tudo o que faço e ganho de dinheiro ou na mídia tem a ver com meus livros, meu podcast, um curso online de tênis, clínicas de tênis ou eventos nos quais sou palestrante. E sou embaixador de marcas. de tênis. Tudo o que sou é tênis.

Fernando Meligeni hoje, aos 54 anos / SEBASTIÁN FEST

– Quando você vê o Fonseca, você enxerga uma coisa realmente grandiosa ou ele está sendo submetido a muita pressão?

– Eu acredito muito no que você é e não no que você pode ser. Já vi muitas coisas na vida do tênis. Que ele vai ser o número um, que vai ser um jogador de ponta, que vai ganhar um Grand Slam. Tudo bem. Eu também vou comprar um helicóptero e ter 20 filhos. E não, não é assim. Fonseca é um fenômeno como jogador, acho ele muito bom como jogador. Nunca tivemos um jogador desse nível no tênis, nem mesmo o Guga, quando era jovem, com 18, 19 anos, jogava o tênis que o Joao joga. Isso é inegável. E isso é incrível. Joao tem uma cabeça muito boa, aguenta muito a pressão, tem uma família muito boa e está fazendo tudo muito corretamente. Até a velocidade que estão impondo a ele é, na minha visão, a correta, porque fisicamente ele ainda não está no nível de Alcaraz e Sinner. Colocá-lo para jogar todas as semanas é um erro, mas existe uma pressão muito grande para que ele jogue todas as semanas. Eu vejo isso pelo podcast. Quando o Joao joga e joga bem, temos 30, 40, 50 mil ouvintes na semana. Quando ele não joga, são 20, 18, 15, 17 mil.

– Acha, entao, melhor irmos com calma com Fonseca.
– Tem tanta gente que jogava muito bem e não chegou lá… Veja o caso de Bia Haddad, tudo o que está acontecendo com ela. Imagina se ela não tivesse chegado ao top ten! Ela está em um momento muito difícil da carreira, está com dúvidas. Todo mundo está tentando ajudá-la, todo mundo comenta. Você vê que ela está ganhando por 4-0 no terceiro set e perde. Por quê? Não sei. Então, projetar até onde o Joao vai chegar é um pouco injusto, dado a dificuldade do circuito. Ele não está hoje entre os dez melhores, está entre os 40 melhores. Veja, é muito interessante a diferença entre a Argentina e o Brasil. O argentino canta na arquibancada, parece que não pensa, mas respeita o cara que joga. O argentino sabe que Messi é Messi, De Paul é De Paul e Juancito é Juancito. Mas torce pelo Juancito e canta. No Brasil, não cantamos tanto, mas achamos que o Juancito é o Messi, que é o Neymar. Enlouquecemos com as aparições dos esportistas, porque existe uma grande falta de ídolos no Brasil, muita falta de ídolos.

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– Fora do futebol?

– No geral, no futebol também não temos. O maior ídolo não é tratado como Messi, tem muita gente que ama e muita gente que não gosta do Neymar. Então, quem é o grande ídolo do Brasil? Senna.

– Sim, mas ele não está vivo…

– O Guga foi, e agora está um pouco mais afastado. No vôlei temos grandes nomes, mas não temos um ídolo; no futebol temos grandes jogadores, mas não temos um grande ídolo.

– Gabriel Medina ou Ítalo Ferreira no surfe…

– Medina é um dos grandes. Temos a [ginasta] Rebeca (Andrade), mas ela é muito jovem. E o futebol é um assunto, que está sempre em pauta. Joao está no caminho de se tornar um ídolo, um dos grandes ídolos do Brasil, mas é demais para um garoto de 19 anos que ainda é o 40º do mundo e ganhou apenas um torneio. Uma expressão muito bonita que ouvi outro dia foi de uma mulher que dizia “tenho saudade do Orkut”. O Orkut era como uma rede social, você entrava em comunidades. Eu podia dizer que não gostava do Meligeni e entrar em uma comunidade de pessoas que não gostavam do Meligeni, ou em uma em que ele era muito querido. E a vida era assim. Hoje, se você não gosta do Meligeni, você quer destruí-lo. E isso acontece muito na política, está acontecendo na religião e muito no futebol. E estão trazendo isso para o tênis. Fazem isso com a Bia Haddad.

– Os haters…

– Os haters acabam com ela quando ela perde, falando que ela jogou mal.

– Fonseca tem haters?

– Claro! Os que dizem que ele não é tão bom assim quanto falam.

– Então, ter uma casca grossa é essencial na vida de hoje.

– Sim, por isso temos que cuidar dos nossos atletas.

– Voltando ao assunto: por que então, se em poucos meses de 1999 e 2000, Kuerten ganhou Roland Garros, chegou ao número um do mundo e você às semifinais de Roland Garros, este é o melhor momento do tênis brasileiro?

– Nós abrimos o caminho para que eles aproveitem o que principalmente o Guga fez. Não havia redes sociais, não havia tanto alcance para o tênis. Nós éramos da época em que, se você perdesse para [o tenista tcheco Ctislav] Slava Dosedel, que era o 40º ou 30º do mundo, falavam que era inadmissível  que se perdesse para ele. As pessoas não sabiam quem era o 30º do mundo, hoje se sabe tudo, a informação chega com muita facilidade. Claro, o Guga e eu também aproveitamos o que o Thomaz Koch fez, mas as pessoas continuavam a ver o tênis como um esporte de elite. E, em parte, eu entendo, uma raquete paga 70% de impostos, eu pedi para que retirassem esse imposto.

– E eles retiraram?
– Não. O tênis é caro no Brasil, continua caro no Brasil.

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